sábado, 16 de maio de 2009

Artigo:Eleições municipais 2008

A hegemoneidade discursiva do Jornal A Tarde

RESUMO: O objetivo deste artigo é mostrar como o estilo manipulador ideológico persiste em alguns veículos nos períodos de eleições. Para tanto, lançar-se-á mão do conceito de enquadramento, bem como da discussão foucaultiana acerca do poder, buscando analisar a cobertura jornalística do jornal A Tarde no processo de disputa eleitoral para a prefeitura da capital baiana, no período compreendido entre os dias 11 a 25 de agosto de 2008.
PALAVRAS-CHAVE: comunicação, linguagem, discurso, informação, manipulação, poder.



Introdução


Um discurso repetido por diferentes sujeitos individuais dotados de certa influência tem a capacidade de interferir no modo de pensar e agir do sujeito coletivo [...]. É interessante observar o poder de alguns discursos, capazes de atravessar os séculos praticamente intocados (HOFMANN, 1995).

“O homem é um animal político” já dizia Aristóteles. Um indivíduo não pode ser pensado sem a comunicação, assim como a comunicação não poderá ser pensada sem a linguagem. Desta maneira, a linguagem se tornou um instrumento de poder pelo qual os seres humanos se apropriaram para dominar outros seres.

Discutir as formas e mecanismos de poder que uma determinada parte da sociedade impõe sobre a outra, através de discursos, fomenta inquietação em muitos pensadores. Foucault, em Microfísica do Poder, afirma que...

a politização de um intelectual tradicionalmente se fazia a partir de duas coisas: em primeiro lugar, sua posição de intelectual na sociedade burguesa, no sistema de produção capitalista, na ideologia que ela produz ou impõe (ser explorado, reduzido à miséria, rejeitado, “maldito”, acusado de subversão, de imoralidade, etc.); em segundo lugar, seu próprio discurso enquanto revelava uma determinada verdade, descobria relações políticas onde normalmente elas não eram percebidas (1979, p. 70).

Exercer o poder nas atitudes e nas relações político-econômicas dos indivíduos sociais é o que mantém muitos meios de comunicação de massa mundiais, sugerindo a todo o momento, como o cidadão deverá se comportar, apontando modos de enxergar a realidade e sempre o influenciando com opiniões que interessam a grupos hegemônicos.

Examinar e identificar quais os tipos de discursos e enquadramentos sobre as eleições municipais publicados pelo jornal A Tarde, no período entre 11 a 25 de agosto de 2008, é o principal objetivo deste artigo. Assim como demonstrar que através destes discursos e os interesses nestes contidos, podem influenciar a sociedade, tanto agir passivamente, como ativamente em prol de um bem comum.

Tipo de discurso divulgado
Os meios de comunicação de massa baianos têm papel importante para política do estado. Os interesses políticos fazem da maioria destes meios de divulgação da informação fio condutor para a propagação de discursos, cujo interesse é, na maioria das vezes, persuadir a sociedade sobre as “verdades” expostas, em benefício de um determinado sistema de poder.

A mídia baiana, muitas vezes, sugere à população que os assuntos políticos só sejam discutidos em período de eleições, cuja divulgação se resume a informações sobre candidatos que disputam uma vaga no poder do Estado, ou seja, aquele que estará em circunstâncias políticas privilegiadas para governar seu círculo social.

Nos períodos eleitorais, a maioria dos veículos de comunicação formula discursos que tendem a estabelecer modos de pensar, massificando a audiência pela intensa repetição. “Esse discurso não abre a possibilidade para que o interlocutor interprete a seu modo a realidade, pois o sentido único já está nele constituído” (HOFMANN, 1995), dando direito a poucos de interpretar o que realmente está acontecendo com a sua realidade, fazendo da maioria da população excluída meros propagadores das ideologias das classes dominantes.

Neste sentido, as edições do jornal A Tarde analisadas, no período proposto no artigo, vêm demonstrar as formas de discursos persuasivos, mecanismo potente que a cada dia atinge a uma quantidade cada vez mais expressiva de pessoas, sem que muitas vezes elas se dêem conta.

O A Tarde, no decorrer de suas edições, além de utilizar-se do enquadramento corrida de cavalos para “mostrar” a sociedade quem está na frente nas eleições, usa também, e bastante, o enquadramento personalista, selecionando e salientando um acontecimento através de um ângulo diferente, ou seja, dramatizando a situação de alguns candidatos, salientando aspectos da vida deles, como qualidades ou defeitos, esquecendo de enfatizar a questão mais importante da política que realmente interessa aos eleitores-cidadãos. Isso remete ao conceito de enquadramento formulado por Roberto Entman, para quem enquadrar é...
selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazer eles mais salientes no texto comunicativo de modo a promover uma definição particular de um problema, interpretação causal, avaliação moral e/ou um tratamento recomendado para o item descrito (ENTAMAN apud GUTMANN, 2006, p. 32).

Existe quatro tipos de enquadramento: temático, quando os temas políticos e os acontecimentos são levados em conta de forma geral; episódico, quando se concentra em uma cobertura orientada em casos particulares; personalista, focaliza a atenção em atores individuais, esquecendo do aspecto amplo da política e corrida de cavalos que dá ênfase a questão da competitividade, ou seja, quem está na frente ou atrás nas campanhas eleitorais.

Um exemplo claro de que o jornal A Tarde está utilizando o enquadramento personalista, está em um trecho da matéria do dia 15/8/2008, na página 15, intitulada “Candidato evita embate com petista”:

A estratégia de silêncio do tucano não é gratuita. Se, nesse momento, Imbassay comprar briga com Pinheiro, sabe que, numa provável disputa de segundo turno contra Neto ou João Henrique, poderá não ter apoio do candidato e eleitorado petista. Imbassahy também se apóia nas palavras do próprio governador Jaques Wagner (PT) de que tucano também é de sua base aliada.


Em apenas um trecho o jornal tenta desqualificar a imagem do candidato a prefeito Antonio Imbassahy perante a sociedade. Esta matéria ratifica que Imbassahy usa suas habilidades para ganhar apoio de outros candidatos, caso haja segundo turno.

Outra matéria do dia 18/8/2008, na página 13, com o título “Pinheiro vai mostrar lado popular e colar com Lula”, vem expondo uma circunstância parecida com a da matéria acima. Para demonstrar que mais uma vez o jornal A Tarde está dando ênfase ao enquadramento personalista, segue o fragmento desta matéria:

A campanha do petista, com o horário eleitoral, além de mostrar um Pinheiro popular e familiar, aposta as fichas na captação do eleitorado que o presidente Lula e o governador Jaques Wagner têm em Salvador. Para isso, a arma principal do marketing da coligação Salvador, Bahia, Brasil é colar a imagem de Pinheiro às das duas lideranças do PT, sendo que a imagem de Lula também deverá ser usada pelo PMDB de João Henrique.

Os dois trechos das matérias acima citadas mostram que grande parte das informações transmitidas pelo veículo A Tarde está enfatizando a questão das habilidades, qualidades e defeitos dos candidatos à prefeitura de Salvador, deixando de fora os aspectos mais importantes da política para a população, como, por exemplo, as propostas de governo de cada postulante ao cargo.
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Informação e manipulação
O jornal A Tarde, como os outros veículos de comunicação de massa, foram “pensados” – pelo menos em tese -, para levar informação aos seus leitores com responsabilidade e qualidade. Mas, como vivemos em uma sociedade capitalista, cujos interesses hegemônicos controlam as informações, os objetivos dos veículos de convencional passaram a considerar a lógica capitalista.

No decorrer da nossa história, além de os mass media pautarem o que a sociedade deverá pensar, estão controlando, também, a ação de cada indivíduo no papel a ser exercido no seu âmbito social. Um exemplo disso aconteceu no período da campanha eleitoral para Presidência da República, em 1989, como bem lembra o jornalista Clóvis Rossi em seu livro O que é jornalismo:

A campanha eleitoral para Presidência da República, em 1989, permitiu incontáveis exercícios de sobreposição do critério político ao jornalístico. Como a maior parte da mídia estava apoiando Fernando Collor de Mello ou, no mínimo, hostilizando seus perseguidores imediatos (Lula e Leonel Brizola), quase todos os títulos eram “puxados” de forma a favorecer Collor.
Houve até momentos em que a queda de Collor nas pesquisas era ocultada, no título, que preferia destacar a queda (ou avanço) de algum outro candidato (ROSSI, 2005, p.46).

O leitor que tem o senso crítico aguçado e que analisa as informações noticiadas pelos veículos de comunicação perceberá que mesmo depois da campanha eleitoral de 1989, o estilo manipulador ideológico de alguns meios de comunicação de massa continuou. Nas edições do jornal analisado, podemos perceber que essa tendência permanece potente ao longo dos anos. Um leitor que se dispõe a avaliar as matérias nas entrelinhas, observará o quanto o jornal A Tarde subestimou, através do discurso e do enquadramento personalista, o interior das discussões políticas que estavam ocorrendo.

O fragmento da matéria “Neto e Marinho dizem apoiar gays” ilustra esta afirmativa:

No papel, a coligação “A voz do povo” pode ser considerada como a chapa mais conservadora entre as cinco que disputam a Prefeitura de Salvador. Contudo, o deputado católico ACM Neto (DEM), candidato a prefeito e o vice, o deputado Márcio Marinho (PR) da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), se demonstraram progressistas em relação ao movimento gay.
Neto foi o único que havia respondido até ontem, à sabatina encaminhada na segunda-feira aos cinco concorrentes ao Palácio Thomé de Souza, pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), para sondar a posição dos candidatos a prefeito em relação às bandeiras dos homossexuais.
Além de rápido, Neto mostrou-se um verdadeiro entusiasta das bandeiras gays, respondendo positivamente (com ressalvas) às dez perguntas. [...] (A TARDE, 14/8/2008, p.14).

É possível perceber o quanto o candidato a prefeito ACM Neto foi exaltado pelo jornal. A matéria, na maioria dos parágrafos, se refere à ACM Neto como “Neto”, e mostra somente a atuação positiva do candidato.

Para o cidadão que não tem determinado discernimento para distinguir o que seja informação e manipulação, acredita sem ao menos questionar no que o veículo de comunicação propaga, deixando-se levar por articulistas, que transformam momentos político-econômicos importantes para o desenvolvimento do município e até do país em oportunidades para manipular o receptor através de discursos que defendem interesses partidários e/ou econômicos.

Neste contexto, é possível identificar como as instituições de comunicação de massa passaram a mudar seus ideais primordiais, objetivando se adequar ao mundo do negócio, aproveitando-se das informações para, através delas, obterem ganhos para a manutenção do veículo ou para um maior controle do entretenimento.

Pode-se pensar que isso se dê porque o comércio é a arte de agradar e a política, de disputar. A comunicação de massa seria conduzida por perspectivas de entretenimento, enquanto a política o seria por interesses de convencimento e pela busca de vantagens de uma parte sobre as outras em situações de competição. [...] a comunicação política tradicional ficaria com a sua retórica de palanque e a sua fala mansa baseada sempre em perspectiva de ganhos, que a habilita, respectivamente, para o convencimento discursivo e para as barganhas de bastidores, enquanto a comunicação de massa ficaria com a arte de representação e do espetáculo, apropriada para a produção do entretenimento (GOMES, 2004. p. 301).

Outro aspecto da manipulação da informação que não pode deixar de ser citado neste artigo é como as fotos, charges e caricaturas dos candidatos expostas pelo jornal A Tarde sempre apresentam quatro dos cincos candidatos sempre com semblante de derrotados e preocupados com o que poderá acontecer no período das eleições, enquanto ilustra ACM Neto sempre demonstrando tranqüilidade e domínio sobre a situação. Algumas das fotos, charges e caricaturas publicadas no veículo, poderão ser observadas logo abaixo, comprovando mais uma vez, a manipulação informativa, não só através de textos, como também de imagens, para atrair a atenção do leitor, com uma pregnância maior, na tentativa de estimular a percepção visual do cidadão, com a finalidade de entreter e manter o comando sobre a situação divulgada.

As imagens mostradas no decorrer das edições, sobretudo na publicação do dia 20/8/2008, na página 13, mostrada logo a seguir, estão indicando cada candidato a prefeito em posição inferior à de ACM Neto. O candidato Hilton Coelho, por exemplo, aparece com a mão estendida e olhando para cima, dando a impressão de que está pedindo a ajuda divina para ganhar as eleições; João Henrique é mostrado como se estivesse apelando, ou seja, pedindo aos eleitores ajuda para a reeleição; a foto de Walter Pinheiro é apresentada demonstrando que ele, de qualquer maneira, tentará convencer os eleitores a escolhê-lo; Antônio Imbassay é mostrado com a mesma atitude de Pinheiro, só que menos otimista. Já ACM Neto apresenta postura de quem deixará o eleitor se decidir.

No que diz respeito ao aspecto quantitativo das fotografias e informações, o jornal analisado utilizou uma estratégia interessante. Procurou expor bastante, de forma negativa, quatro dos cinco candidatos, principalmente Pinheiro e Imbassahy, divulgando discursos que comprometiam os dois diante do público eleitorado, enquanto ACM Neto aparecia pouco, mas quando surgia, sempre em posição superior ou sendo destacado por algum objeto e elogiado nas entrelinhas dos textos. A charge que aparece logo abaixo, por exemplo, não exibe ACM Neto, mas mostra os candidatos João Henrique, Imbassahy e Pinheiro na disputa pela utilização da imagem do presidente, ou seja, uma crítica negativa aos candidatos perante a sociedade.

No fragmento da matéria que vem a seguir, o candidato a prefeito mais citado de forma negativa pelo jornal A Tarde durante as eleições, Walter Pinheiro, é censurado nas entrelinhas como o candidato que mais critica o adversário ACM Neto. No trecho da matéria “Walter Pinheiro lança programa para jovens”, o tempo inteiro o discurso do veículo mostra que quando Pinheiro não critica seu adversário ACM Neto, os seus representantes fazem por ele.

[...], durante o lançamento do programa de governo para o segmento, na Faculdade Visconde de Cairu [...] Pinheiro não criticou o candidato ACM Neto, que aposta na estratégia de se associar ao novo nas eleições.
As lideranças estudantis e a candidata a vice da chapa de Pinheiro, a ex-prefeita Lídice da mata (PSB), se encarregaram da tarefa de criticar o candidato, que, segundo eles, representam o chamado carlismo.
“O fato de ACM Neto ter 29 anos não quer dizer que ele é capaz de representar a luta da juventude. Ele é um jovem velho, que expressa na política as idéias mais antigas”, discursou Lídice da Mata. Coordenador da juventude do PSB, Vítor Gantois foi um dos líderes que lançaram a munição contra ACM Neto: Não podemos deixar qu ele se apresente como um candidato da juventude, ele não é. Um novo cacique quer surgir e não podemos deixar” [...] (A Tarde 16/8/2008, p. 16)

Percebe-se que, as informações divulgadas pelo jornal A Tarde, se bem avaliadas, poderão ser definidas como persuasivas e dirigidas em favor de uma classe, cujo interesse é manter a grande massa sob seu controle estrategista, para a manutenção do carlismo
[1], que imperou na nossa política há anos.


Conseqüência do discurso estereotipado
A sociedade está sob o controle de grupos hegemônicos mantenedor de um sistema injusto e que favorece apenas os seus próprios interesses. Isso prejudica a maioria da população, que passa a agir e pensar de forma semelhante à da classe hegemônica, colaborando para a manutenção das desigualdades sociais.

Assim, interpretar a realidade, apresentada por um veículo de comunicação de massa não é uma simples tarefa. Cada veículo possui sua ideologia e cada indivíduo procura interpretar os discursos propagados de acordo com a sua realidade. É aproveitando-se dessa situação, que a classe dominante procura produzir estratégias discursivas convincentes através desses meios, no intuito de continuar a agir sobre uma classe dominada. Pois como diz Hoffman (1995), “a interpretação constitui-se em privilégio, um monopólio pertencente aos grupos sociais hegemônicos, cujos aparelhos ideológicos encarregam-se de gerir a memória coletiva”.

Desta maneira, é preciso inventar novas possibilidades de inverter a situação. Oportunizar ao indivíduo interpretar os fatos a seu modo, sem o controle discursivo estereotipado da política seria o primeiro passo. Mas para isso é preciso métodos alternativos, como por exemplo, os dos anos 70, que através dos meios culturais e artísticos mobilizaram a sociedade, instigando nos cidadãos, sem distinção de raça e de classe social, a possibilidade de interpretar o mundo do seu próprio jeito, sem serem excluídos por pensar e agir de forma diferente.


Referências bibliográficas

HOFMANN, Loraci Tonus. Do discurso enquanto constituinte da realidade. Artigo, 1995.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder; organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. p. 70.
GUTMANN, Juliana Freire. Quadros narrativos pautados pela mídia: framing como segundo nível do agenda-setting?. Contemporânea (Salvador), v. 4, p. 25-50, 2006.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 46.
GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004, p. 301.
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http://www.ipcdigital.com/ver_noticiaA.asp?descrIdioma=br&codNoticia=8726&codPagina=9169&codSecao=368> acessado em 07/12/2008 às 16h10min.
Jornal A Tarde no período de 11/08/2008 a 25/08/2008.
[1] Nome dado à hegemonia de Antonio Carlos Magalhães sobre a Bahia, o "carlismo" teria tido seu apogeu a partir da década de 90, segundo o historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos . Nesse período, ACM venceu pela primeira vez uma eleição, assumindo o governo baiano. Antes, o político havia comandado duas vezes a Prefeitura de Salvador, mas por indicação da ditadura militar (Morte encerra "o caso político" do carlismo, para historiador. Nome dado à hegemonia de Antonio Carlos sobre a Bahia, o "carlismo" teve seu apogeu a partir de 90. Publicado em 22/7/2007 12h59min, Brasília - Agência Brasil).

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