terça-feira, 16 de agosto de 2011

Prévia do Livro-reportagem

Su Mendonça



Morada Sagrada

Histórias e Lembranças do Parque São Bartolomeu


Introdução

Com um passado de luta e resistência e um presente marcado pelo abandono e violência, ele persiste em cada galho de árvore existente em suas matas e nas águas que descem pelas pedras das sagradas cachoeiras. Esse lugar escondido, dentro do Subúrbio Ferroviário de Salvador, que já protegeu índios tupinambás, negros escravizados e soldados na batalha pela Independência da Bahia, pouco ou nada da sua memória é citada nos livros de história do Brasil.
Mesmo com tanta importância histórica, com o passar dos anos, o parque começou a ser invadido e destruído pelos supostos donos da terra e por pessoas vindas do interior do Estado, em busca de oportunidade de emprego e ascensão social. Mas, para muitos, não foi o que aconteceu. Morar nas cercanias do Parque São Bartolomeu para eles não foi fácil. A maioria das pessoas que habitam ou já habitaram o local começou a migrar para próximo ou dentro do sítio histórico, numa circunstância bastante precária.
O manguezal, na época composto de mato, lama e caranguejos, que dava sustento à maioria dos moradores do Subúrbio, foi invadido por essas famílias, que traziam apenas a força de vontade, pedaços de pau e madeira para a construção de seus barracos e a esperança de conseguir um emprego nas mediações do lugar, onde a economia não parava de crescer.
A região, a partir desse momento, passou a ser desmatada e os manguezais começaram a desaparecer. Os caranguejos, espécie habitantes dessa área, ficaram ameaçados, chegando até a serem encontrados facilmente pelas ruas e estradas construídas na época. Nesse período de expansão da localidade, o único espaço que se manteve preservado, por ser de difícil acesso, foi ele, o Parque Sagrado – o São Bartolomeu.
As únicas pessoas que ousavam visitar o Parque São Bartolomeu eram os representantes da cultura africana, para colocar suas oferendas para os Orixás e os poucos moradores da localidade, para pegar água. Com o passar dos anos, foi tombado como patrimônio histórico, pela Prefeitura Municipal de Salvador, para ser preservado e protegido das invasões futuras, mas, infelizmente, o poder público o abandonou e suas matas continuaram a serem invadidas. A situação ficou extrema - na época, até o escritor Jorge Amado escreveu uma carta para o prefeito Renan Baleeiro, pedindo que tomasse providência.
Agora, poucos se aventuram a invadir as matas do Parque São Bartolomeu, não por causa da proteção ambiental, mas pelo medo de chegar até o lugar. A violência, antes inexistente, a partir do final dos anos de 1980 passou a tomar conta da localidade e de seus habitantes. Se arriscar a ir lá, mesmo para os praticantes do candomblé, tornou-se difícil e assustador. Ainda diante de tudo, é visto por muitos como o local preferido para cultuar suas entidades sagradas.
Foi por isso que, depois de vinte e seis anos de convivência e ter presenciado as dificuldades e lutas existentes no Parque São Bartolomeu, que ousei relatar o conhecimento adquirido, através do dia a dia, entre os moradores do sítio, observações amadurecidas por meio das brincadeiras de crianças, buscas intensas do saber sobre o ambiente e, por fim, em atividades educacionais.
Em meados de 1999, através de um Curso de Monitoras de Creche, aprendi, numa aula sobre a História do Subúrbio Ferroviário de Salvador, ministrada pelo professor José Eduardo Ferreira Santos, a valorizar o lugar que, antes, me envergonhava de dizer que nele habitava por causa da violência, pobreza e descaso do poder público. Hoje, mais do que nunca valorizado por mim e por muitos moradores que descobriram sua riqueza histórica e natural, mesmo convivendo com o abandono do sítio, a degradação ambiental e, principalmente, a miséria - conseqüência gerada pela falta de compromisso com o social.
Neste livro, procuro mostrar como era o Parque São Bartolomeu entre os anos de 1970 e 1980 até tempos atuais, na visão dos moradores da comunidade. Como esses, aproximadamente, 1500 hectares de florestas, foram, no passado, importante campo de batalhas para a Independência não só da Bahia, como também do Brasil e, hoje, é cenário do esquecimento, ou seja, de um combate para a preservação do patrimônio, da cultura afro-brasileira e mais, da luta travada pelos seus moradores pela própria sobrevivência.
O objetivo presente não é expor a violência existente na região e, sim, permitir que a sociedade tome consciência de como o abandono e o descaso com o meio em que somos partícipes, geram conseqüências irreparáveis, não só na memória, mas na vida de milhares de pessoas que, sem direito a escolhas, sofrem com a intensidade da realidade sofrida. Assim, busco, através destas páginas, resgatar e avivar a memória da população sobre o passado histórico do Parque São Bartolomeu e sua riqueza natural, ambos esquecidos num mar de exclusão social.
Mas, além de mostrar à população os problemas citados, aqui ficam documentados relatos simples, ou talvez um pedido de socorro de um lugar e de uma comunidade que precisam ser lembrados, compreendidos e respeitados, não apenas pelos poderes públicos, e sim, por toda humanidade que se preocupa como estamos vivendo o hoje e, principalmente, de que forma viveremos o amanhã.

4 comentários:

leo alves disse...

Su, gostei de ver! Digo, gostei de ler! Me deixou com água na boca pra conhecer um pouco dos mistérios do Parque de São Bartolomeu.
Um grande beijo!

Mendonça disse...

Parabens, materia otima, continua na luta pelo seu objetivo. grande abraços

Aline Santana disse...

Susu,

que lindo, já te falei que cresci ouvindo minha mãe falar desse lugar, é uma pena que hoje não esteja como antes, vamos torcer pela revitalização... você mesmo anonimamente, está fazendo a sua parte.
Parabéns!!!
Beijo grande

Suane Mendonça disse...

Obrigada Line!!!!

Temos q fazer a nossa parte, não é mesmo?

Bjs

Rádio Educadora FM