Morada Sagrada
Histórias e Lembranças do Parque São Bartolomeu
Introdução
Com um passado de luta e resistência e um presente marcado pelo abandono e violência, ele persiste em cada galho de árvore existente em suas matas e nas águas que descem pelas pedras das sagradas cachoeiras. Esse lugar escondido, dentro do Subúrbio Ferroviário de Salvador, que já protegeu índios tupinambás, negros escravizados e soldados na batalha pela Independência da Bahia, pouco ou nada da sua memória é citada nos livros de história do Brasil.
Mesmo com tanta importância histórica, com o passar dos anos, o parque começou a ser invadido e destruído pelos supostos donos da terra e por pessoas vindas do interior do Estado, em busca de oportunidade de emprego e ascensão social. Mas, para muitos, não foi o que aconteceu. Morar nas cercanias do Parque São Bartolomeu para eles não foi fácil. A maioria das pessoas que habitam ou já habitaram o local começou a migrar para próximo ou dentro do sítio histórico, numa circunstância bastante precária.
O manguezal, na época composto de mato, lama e caranguejos, que dava sustento à maioria dos moradores do Subúrbio, foi invadido por essas famílias, que traziam apenas a força de vontade, pedaços de pau e madeira para a construção de seus barracos e a esperança de conseguir um emprego nas mediações do lugar, onde a economia não parava de crescer.
A região, a partir desse momento, passou a ser desmatada e os manguezais começaram a desaparecer. Os caranguejos, espécie habitantes dessa área, ficaram ameaçados, chegando até a serem encontrados facilmente pelas ruas e estradas construídas na época. Nesse período de expansão da localidade, o único espaço que se manteve preservado, por ser de difícil acesso, foi ele, o Parque Sagrado – o São Bartolomeu.
As únicas pessoas que ousavam visitar o Parque São Bartolomeu eram os representantes da cultura africana, para colocar suas oferendas para os Orixás e os poucos moradores da localidade, para pegar água. Com o passar dos anos, foi tombado como patrimônio histórico, pela Prefeitura Municipal de Salvador, para ser preservado e protegido das invasões futuras, mas, infelizmente, o poder público o abandonou e suas matas continuaram a serem invadidas. A situação ficou extrema - na época, até o escritor Jorge Amado escreveu uma carta para o prefeito Renan Baleeiro, pedindo que tomasse providência.
Agora, poucos se aventuram a invadir as matas do Parque São Bartolomeu, não por causa da proteção ambiental, mas pelo medo de chegar até o lugar. A violência, antes inexistente, a partir do final dos anos de 1980 passou a tomar conta da localidade e de seus habitantes. Se arriscar a ir lá, mesmo para os praticantes do candomblé, tornou-se difícil e assustador. Ainda diante de tudo, é visto por muitos como o local preferido para cultuar suas entidades sagradas.
Foi por isso que, depois de vinte e seis anos de convivência e ter presenciado as dificuldades e lutas existentes no Parque São Bartolomeu, que ousei relatar o conhecimento adquirido, através do dia a dia, entre os moradores do sítio, observações amadurecidas por meio das brincadeiras de crianças, buscas intensas do saber sobre o ambiente e, por fim, em atividades educacionais.
Em meados de 1999, através de um Curso de Monitoras de Creche, aprendi, numa aula sobre a História do Subúrbio Ferroviário de Salvador, ministrada pelo professor José Eduardo Ferreira Santos, a valorizar o lugar que, antes, me envergonhava de dizer que nele habitava por causa da violência, pobreza e descaso do poder público. Hoje, mais do que nunca valorizado por mim e por muitos moradores que descobriram sua riqueza histórica e natural, mesmo convivendo com o abandono do sítio, a degradação ambiental e, principalmente, a miséria - conseqüência gerada pela falta de compromisso com o social.
Neste livro, procuro mostrar como era o Parque São Bartolomeu entre os anos de 1970 e 1980 até tempos atuais, na visão dos moradores da comunidade. Como esses, aproximadamente, 1500 hectares de florestas, foram, no passado, importante campo de batalhas para a Independência não só da Bahia, como também do Brasil e, hoje, é cenário do esquecimento, ou seja, de um combate para a preservação do patrimônio, da cultura afro-brasileira e mais, da luta travada pelos seus moradores pela própria sobrevivência.
O objetivo presente não é expor a violência existente na região e, sim, permitir que a sociedade tome consciência de como o abandono e o descaso com o meio em que somos partícipes, geram conseqüências irreparáveis, não só na memória, mas na vida de milhares de pessoas que, sem direito a escolhas, sofrem com a intensidade da realidade sofrida. Assim, busco, através destas páginas, resgatar e avivar a memória da população sobre o passado histórico do Parque São Bartolomeu e sua riqueza natural, ambos esquecidos num mar de exclusão social.
Mas, além de mostrar à população os problemas citados, aqui ficam documentados relatos simples, ou talvez um pedido de socorro de um lugar e de uma comunidade que precisam ser lembrados, compreendidos e respeitados, não apenas pelos poderes públicos, e sim, por toda humanidade que se preocupa como estamos vivendo o hoje e, principalmente, de que forma viveremos o amanhã.